10 de abril de 2012

JOÃO BATISTA E JESUS DE NAZARÉ


João Batista antes de Jesus:
Sacerdote do deserto e profeta de libertação



As origens de João Batista

O que sabemos de João Batista se deve ao curioso relato de Lucas 1.5-25; 57-80, que provavelmente vem de uma tradição dos grupos seguidores de João. A narração tem um evidente tom etiológico, já que é feita para justificar a missão posterior de João. Segundo Senén Vidal, “o modelo da narração é típico da tradição israelita sobre origens maravilhosas de personagens famosos”.[1]
A origem histórica de João esta numa família sacerdotal rural. A indicação sobre a abstinência de bebidas alcoólicas (Lc 1.15) é uma antecipação do estilo de vida do posterior profeta do deserto, e esta também relacionado com o caráter sacerdotal de João, pois parece referir-se à norma sobre o serviço dos sacerdotes (Lv 10.9).

O Batismo e a oposição ao Templo

O fato estranho e absolutamente novo na tradição israelita quanto aos ritos batismais, de que João efetuava o batismo de conversão “para o perdão dos pecados” (Mc 1.4) talvez aponte que ele exercia uma função mediadora do perdão de Deus, ao estilo da que exerciam os sacerdotes por meio de seu serviço no Templo.
A oposição ao culto sacrificial do Templo poderia ter seu ponto de apoio na experiência de desilusão de um sacerdote rural ante o aparato do Templo em Jerusalém, dominado por uma aristocracia sacerdotal opressora (João apoiado na figura critica de Elias, Lc 1.16-17. Elias também tinha características sacerdotais, além de profética).

Sacerdote do Deserto

A noticia do crescimento de João no deserto (Lc 1.8), não se trata de uma noticia histórica, mas de uma simples indicação literária que teria a função de ligar o relato das origens de João com relato de sua missão posterior, que teve lugar no deserto.
Vidal informa que “não existem dados suficientes para resolver a possível conexão das origens de João com o movimento essênio, concretamente como comunidade de Qumran, um grupo especial dentro do amplo movimento essênio da palestina de então”.[2]
No entanto, a origem sacerdotal rural de João, se enquadraria com sua pertença à comunidade qumrânica, dado que esta era dirigida por um grupo sacerdotal separado da aristocracia sacerdotal do Templo em Jerusalém.
O rito batismal de João derivaria imediatamente da típica prática dos banhos purificadores da comunidade de Qumran, só que João teria radicalizado seu sentido, convertendo o batismo efetuado por ele num rito único e com caráter definitivo.

A crise de Israel

Segundo a tradição, a vocação profética de João se inflamou no contato com a situação crítica em que o povo de Israel se encontrava. A adequada compreensão do projeto de João exige, pois, umas precisões sobre o caráter da situação histórica do povo palestino de então.
As dimensões da crise eram muito variadas, porém todas apontavam para algo básico: a questão da sobrevivência de Israel como povo assentado em sua tradição ancestral.
- Crise política: A situação de opressão e calamidade era sentida como uma profunda injustiça ante a qual brotava inevitavelmente a pergunta pela justiça libertadora de Deus em favor de seu povo eleito.[3]
- Crise religiosa: A dura experiência de calamidade convertia-se assim numa aguda religiosa, que questionava a própria existência do povo fundado na eleição e na aliança com Deus.
Ai está o pressuposto dos numerosos movimentos de renovação que surgiram naquela época, dentre os quais deve-se incluir o movimento profético de João.[4]
Além da crise política e religiosa, era sentida também a crise econômica experimentada pela maior parte do povo palestino do século I, especialmente o das aldeias, nas quais vivia a maior parte da população daquela sociedade fundamentalmente agrária.

Causas da Crise Econômica

- Tipo ecológico: Em todas as regiões a maior parte do terreno era muito pobre, as secas eram freqüentes, e além disso devia-se contar com as catástrofes naturais.
- Ano Sabático: A terra ficava improdutiva a cada sete anos, provocando uma escassez periódica de alimentos.
- Tipo Sociopolítico: Estrutura centralizada, acumulação de terras e riquezas em mãos de uma minoria protegida pela administração, os grandes proprietários que moravam nas cidades.[5]
- Rígido sistema de impostos: Sobre as pessoas físicas e propriedades, além dos impostos dedicados ao Templo e aos sacerdotes, constitui uma fonte de endividamento para uma grande parte da população camponesa.[6]   
Para o povo de Israel, a experiência dessa opressão econômica tinha uma conotação especial que lhe causava uma autêntica crise de identidade.

A visão do profeta

João, judeu palestinense do século I, teve de experimentar com força essa crise do Israel de seu tempo. A visão que João tinha dessa crise era, com efeito, muito mais radical que a dos diversos movimentos de renovação contemporâneos. Era a visão do profeta do momento decisivo na história de Israel. Um testemunho dessa visão é transmitido por Mateus, Mt 3.7-8.

Conclusão

 A visão radical de João foi o ponto de partida e a base de sua missão profética. Porém, a radicalização dessa visão tinha a função de mostrar a radicalidade da libertação e da renovação do povo que João apresentava em sua missão. É nesse amplo horizonte de salvação que se deve situar o forte tom de advertência e de juízo da proclamação de João. Igualmente nos profetas israelitas anteriormente a ele, esse tom tinha por objeto não a condenação de Israel, mas precisamente sua libertação e transformação. A radical denuncia apontava para a salvação radical.     


             
David Rubens
16-07-2011



[1] VIDAL, Senén. Jesus, O Galileu. São Paulo: Loyola, 2009. p. 21.
[2] VIDAL, Senén. Jesus, O Galileu. São Paulo: Loyola, 2009. p. 22.
[3] RUBENS, David. Jesus: Modelo de Práxis Social-Cristã. São Paulo: Kerygma, 2011. p. 19.
[4] VIDAL, Senén. Jesus, O Galileu. São Paulo: Loyola, 2009. p. 24.
[5] RUBENS, David. Jesus: Modelo de Práxis Social-Cristã. São Paulo: Kerygma, 2011. p. 27.
[6] Ibidem, p. 19.

6 de abril de 2012

Teorias históricas de Jesus: John P. Meier

John P. Meier
 • Um judeu marginal: Repensando o Jesus Histórico, Volume 3 (Anchor Books 2001).
• Um judeu marginal: Repensando o Jesus Histórico, Volume 2 (Doubleday 1994).
• Um judeu marginal: Repensando o Jesus Histórico, Volume 1 (Doubleday 1991).

No primeiro volume, Meier olha "as raízes do problema e da pessoa." Meier faz uma distinção entre o Jesus real, a pessoa real que andou nas areias da Palestina, e do Jesus histórico, uma abstração que representa o que podemos saber sobre Jesus.Meier identifica Q, Marcos, Mateus especial, especial Lucas e João como a representação de cinco fontes independentes dentro do Novo Testamento. Contrariando uma tendência do "Quest Terceiro", Meier rejeita as tentativas de argumentar que o Evangelho de Tomé, o Evangelho de Pedro, e material não-canônico outro pode ser independente do Novo Testamento. Meier afirma que Josefo fornece uma confirmação independente da historicidade de Jesus, mas as outras referências na literatura judaica e pagã tem pouco valor. Meier expõe seus critérios de historicidade; cinco critérios principais de constrangimento, a descontinuidade, atestação múltipla, coerência e "rejeição e execução", bem como quatro critérios duvidosos de traços de meio ambiente, aramaico palestino, vivacidade da narração, e tendências do desenvolvimento tradição sinóptica. Meier afirma que a Nazaré é um berço mais provável do que Belém, bem como que Jesus teve irmãos reais. Meier afirma que Jesus era ao contrário de muitos de seus contemporâneos, em que ele era alfabetizada. Meier tenta uma analogia para a situação econômica de Jesus como "um trabalhador de colarinho azul em baixa classe média americana" (p. 282), por que ele quer dizer que a situação económica de Jesus era típica dos galileus, embora isso em si já era não é grande.
No segundo volume, Meier examina "mentor, mensagem e milagres." Meier afirma fortemente para o batismo de Jesus por João. Meier também argumenta que o Jesus histórico, como o João histórico, pregou o Reino com um sentido de futuro e não apenas um sentimento presente. "Jesus não só se apresentou como o profeta escatológico da vinda do Reino de Deus, não só se apresentou como o Elias como milagreiro que fez o reino futuro já eficaz e palpável para seus seguidores, mas ao mesmo tempo apresentado como hmself um professor que poderia dizer israelitas como observar a Lei de Moisés - de fato, que poderia até mesmo dizer israelitas o que eles devem ou não observar a lei ".(P. 1046) Meier afirma que um milagreiro Elias como profeta escatológico não é tão facilmente relevante para nós hoje como um "rabino bondoso que pregava gentileza e amor" domesticado (p. 1045). No entanto, diz Meier, o Jesus histórico era um profeta.




Como interpretar a Bíblia?

Métodos de Interpretação Bíblica
Osvaldo Luiz Ribeiro

A palavra método significa caminho através do qual. Método é, pois, um caminho que se escolhe para chegar a algum lugar. No caso da interpretação bíblica, o método se refere ao caminho que o leitor usa para chegar à mensagem da Bíblia. Confuso? Talvez seja possível dizer a mesma coisa de forma diferente.

A Bíblia é fruto de cultura, tempo e lugar muito distantes
A mensagem da Bíblia não está resumida num prefácio. Os leitores devem esforçar-se para descobrir afinal o que ela tem a dizer. Esse esforço vem sendo empreendido desde o início. A Segunda Carta de Pedro (3.16) testemunha que certas passagens das cartas de Paulo já naquele tempo ofereciam dificuldades para compreensão. Os leitores da Bíblia não têm todos as mesmas opiniões a respeito de sua mensagem, e não têm todos a mesma forma de pensar; têm preferências religiosas, teológicas, políticas e culturais muito diferentes. Isso tudo acaba exercendo pressão sobre a forma como entendem que a Bíblia deve ser lida. Assim foi construída a história da interpretação da Bíblia, quando vários métodos foram criados para se tentar chegar à verdadeira mensagem das Escrituras.

O método confessional de interpretação bíblica
Segundo esse método, há uma relação muito próxima entre a tradição e a compreensão das Escrituras. Dependendo do grupo, a palavra tradição pode referir-se a coisas diferentes. Para os católicos, por exemplo, a tradição é o conjunto das deliberações oficiais do Magistério Teológico. Uma exposição apropriada é a encíclica (bula papal) Dei Verbum (publicada no Brasil pela Editora Paulinas). Para alguns grupos evangélicos, tradição é uma forma difusa de iluminação interior. Segundo esse pensamento, o Espírito Santo, iluminando cada crente, gera uma compreensão correta das Escrituras: o crente sabe que sabe porque a voz do Espírito testemunha em seu coração esse saber.
A rigor, o método confessional submete-se à autoridade eclesiástica que, em última análise, detém o critério de verificação (= autoridade para dizer se a interpretação é correta ou não). O problema do lado católico é que o livre exame das Escrituras está subordinado a um Colégio; do lado evangélico, usa-se o nome do Espírito Santo em lugar do Colégio Apostólico, mas o efeito acaba sendo o mesmo.
A vantagem do método é a valorização da história. Deste método devemos aprender que a leitura da Bíblia não começa aqui e agora. A história da interpretação da Bíblia já tem mais de 2.000 anos!

O método histórico-social de interpretação
Está interessado em saber a que se prestavam os textos quando foram escritos. É mais do que se perguntar pelo que significam hoje. Por trás de tal preocupação está o pressuposto de que a Bíblia constitui uma biblioteca de textos produzidos sempre com intenções específicas. Um texto está ligado às circunstâncias que o geraram de tal forma que, quando é retirado delas, perde sua sustentação histórica e passa a servir de base para qualquer outra interpretação.
O intérprete histórico-social leva a sério a humanidade dos escritores bíblicos. Não é necessário pôr em suspensão a doutrina da inspiração bíblica, porque para esses intérpretes a inspiração não faz com que os homens que escreveram as Escrituras deixem de ser homens e de se submeter às mesmas leis históricas presentes no mundo. A inspiração é o mistério; o que se pretende desvendar é o significado da mensagem do texto, significado esse que está ligado inseparavelmente às intenções dos autores sagrados.
A vantagem é que nenhum sentido sobrenatural pode ficar à mercê de uma suposta espiritualidade deste ou daquele líder. Qualquer um que se dedique pode compreender o texto bíblico sem arvorar-se em místico iluminado. A desvantagem é que o método sabe que não há como provar que a interpretação feita é a verdadeira interpretação, porque o único que o poderia dizer - o próprio autor do texto bíblico - já está morto. A interpretação histórico-social é, pois, um exercício constante e coletivo, fraterno e provisório.

Outros métodos de interpretação bíblica
Já houve e há vários outros métodos. O método alegórico é dos mais antigos. Criado pelos gregos, adaptado pelos judeus, foi incorporado ao cristianismo. Seu auge se deu na Idade Média, mas ainda sobrevive na forma de uma leitura cristológica do Antigo Testamento. Consiste em extrair do texto sentidos que originalmente não estavam lá, mas que a estrutura das frases suporta por meio de leituras figuradas. Os judeus usavam muito o midrash, um tipo de leitura que se parece muito com a leitura popular evangélica. Consiste em tratar todos os textos bíblicos como um só. Os versículos separados de cada livro são lidos como pronunciados por uma só pessoa, no caso, Deus. Não há preocupação quanto ao sentido histórico desses versículos e mesmo dos livros em que estão registrados.

Conclusão
Penso que é necessário conhecer todos esses métodos e ver o que têm de bom e ruim. De minha parte, confesso que o desejo de meu coração é ouvir o mais literalmente possível as palavras de cada um dos autores sagrados. Se for necessário reverência (Pv 2.1-2), vontade (Pv 2.3) e trabalho (Pv 2.4) para ouvi-los (Pv 2.5-6), estou disposto a pagar o preço. Somos, todos afinal, como a corça bramando pelas correntes das águas (Salmos 42,1).