29 de março de 2012

O EVANGELHO DA PERDIÇÃO

O evangelho de fraternidade é para a ética o que a complexidade é para o pensamento: ele apela a não mais fracionar, separar, mas ligar, ele é intrinsecamente re-ligioso, no sentido literal do termo.
Religioso? Como não ficar embaraçado e incerto diante desta palavra? Ela está ligada a demasiados conteúdos divinos que lhe parecem consubstanciais, mesmo se a tomarmos em seu sentido mínimo: re-ligar.
De fato, a religião, no sentido ordinário do termo, se define em termos opostos aos do evangelho da perdição: uma fé em deuses ou num deus supremo, com cultos e ritos de veneração. A religião de salvação promete, além disso, uma vida gloriosa após a morte.
Na verdade, a religião com deus(es) é uma religião do primeiro tipo. A Europa moderna viu surgir religiões sem deuses que se ignoravam como tais e que podemos chamar religiões do segundo tipo. Assim, o Estado-nação extraiu dele mesmo sua própria religião. Depois, foi a esfera leiga, racional, científica que elaborou religiões terrestres. Robespierre quis uma religião da razão, Augusto Comte acreditou fundar uma religião da humanidade, Marx criou uma religião de salvação terrestre que se proclamou ciência. Pode-se mesmo pensar que o espírito republicano da França da Terceira República tinha algo de religioso, no sentido em que religava seus fiéis pela fé republicana e pela moral cívica. Malraux, ao anunciar que o século XXI seria religioso, não viu que o século XX era fanaticamente religioso, mas inconsciente da natureza religiosa de suas ideologias.
Assim, a palavra religião não pode mais se limitar às religiões com deuses. Mas, como recusamos considerar uma religião do segundo tipo (providencialismo e salvação), por que evocar a palavra religião?
Porque temos necessidade, para levar adiante a hominização e civilizar a Terra, de uma força comunicante e comungante.
É preciso um impulso, religioso neste sentido, para operar em nossos espíritos a reliance entre os humanos, que por sua vez estimule a vontade de ligar os problemas uns aos outros.
Pode-se considerar uma religião terrestre do terceiro tipo que seria uma religião da perdição?
Se o evangelho dos homens perdidos e da Terra-Pátria pudesse dar vida a uma religião, seria uma religião em ruptura tanto com as religião da salvação celeste quanto com as religiões da salvação terrestre, tanto com as religiões com deuses quanto com as ideologias que ignoram sua natureza religiosa. Mas seria uma religião capaz de compreender as outras religiões e de ajudá-las a reencontrar sua fonte. O evangelho da anti-salvação pode cooperar com o evangelho da salvação justamente na fraternidade que lhes é comum.
Essa religião, muitos de nós já a pré-vivemos, mas isoladamente, sem estarmos ainda re-ligados pela força comunicante e comungante.
     Essa religião comportaria uma missão racional: salvar o planeta, civilizar a Terra, realizar a unidade humana e salvaguardar sua diversidade. Uma religião que asseguraria, e não proibiria, o pleno emprego do pensamento racional. Uma religião que se encarregaria do pensamento leigo, problematizante e autocrítico oriundo da Renascença européia.
Seria uma religião no sentido mínimo do termo. Esse sentido mínimo não é redução ao racional. Ele contém algo de sobre-racional: participar daquilo que nos ultrapassa, abrir-se ao que Pascal chamava caridade e que podemos também chamar com-paixão. Compreende um sentimento místico e sagrado. Apela talvez a um ritual. Toda comunidade tem necessidade de comunhão. Nos ritos em que comungam os fiéis, estes sentem fortemente uma identidade que se liga a um sobre-racional e a um sobre-real, por eles chamado deus(es).
Seria uma religião sem deus, mas na qual a ausência de deus revelaria a onipresença do mistério.
Seria religião sem revelação (como o budismo), uma religião de (amor (como o cristianismo), de comiseração (como o budismo), na qual não haveria nem salvação por imortalidade! ressurreição do eu, nem libertação por desaparecimento do eu.
Seria uma religião das profundezas: a comunidade de sofrimento e de morte.
Seria uma religião sem verdade primeira, nem verdade final. Não sabemos por que o mundo é mundo, por que estamos no mundo, por que desapareceremos nele, não sabemos quem somos.
Seria uma religião sem providência, sem futuro radioso, mas que nos ligaria solidariamente uns aos outros na Aventura desconhecida.
Seria uma religião sem promessa mas com raízes: raízes em nossas culturas, raízes em nossa civilização, raízes na história planetária, raízes na espécie humana, raízes na vida, raízes nas estrelas que forjaram os átomos que nos constituem, raízes no cosmos onde apareceram as partículas que constituem nossos átomos.
Seria uma religião terrestre, não supraterrestre, e não mais de salvação terrestre. Mas seria uma de salvaguarda, de salvamento, de liberação de fraternidade.
Seria uma religião, como toda religião, com fé, mas, diferente das outras religiões que recalcam a dúvida pelo fanatismo, reconheceria em seu seio a dúvida e dialogaria com ela. Seria uma religião que assumiria a incerteza.
Seria uma religião aberta sobre o abismo.

O reconhecimento da Terra-Pátria conflui com a religião dos mortais perdidos, ou melhor, desemboca nessa religião da perdição. Não há portanto salvação se a palavra significa escapar à perdição. Mas se salvação significa evitar o pior, encontrar o melhor possível, então nossa salvação pessoal está na consciência, no amor e na fraternidade, nossa salvação coletiva é evitar o desastre de uma morte prematura da humanidade e fazer da Terra perdida no cosmos, nosso “porto de salvação”.
  
In: MORIN, Edgar & KERN, Anne Brigitte. Terra-Pátria.P. Alegre, Sulina (3ª. Ed.), 2000. pg.179-182.

SAMBANDO COM OS MESTRES










ESSES SÃO OS BANBAS DE ANTIGAMENTE,
VIVOS EM NOSSOS CORAÇÕES

28 de março de 2012

VOLTANDO A POSTAR

Depois de um longo período de férias e de um computador com defeito, desde o final do ano passado. Voltei! Pretendo postar com regularidade e transitar pelos mais diversos temas do conhecimento humano. Tudo isso numa perspectiva "complexa", para acompanhar o desfecho de uma "Era Planetária" (segundo MORIN). Confesso que a experiência teológica faz jus à competência transdisciplinar, de se fazer humano a cada dia, por isso, vale a pena dizer que no mundo da "morte de Deus e do homem, o que emerge é o super-homem" (segundo NIETZSCHE). Por fim, quero compartilhar um vídeo do professor André Martins.