23 de março de 2011

PROFETA E PROFECIA: uma conceituação terminológica de ambos os termos
por
Fernando de Oliveira

INTRODUÇÃO
           
            Profeta e Profecia: uma conceituação terminológica de ambos os termos. O estudo está estruturado em três perspectivas: profeta, profecia e profecia primária. E, conseguintemente, orientada pelas leituras dos seguintes teólogos: Martin Rösel, Claus Westermann, Rolf Rendtorff, José Luis Sicre, Milton Schwantes, Jesús María Asurmendi, Santiago Ausin, Cássio Murilo Dias da Silva, David Rubens entre outros. 
Em primeiro lugar, se analisará o termo ‘profeta’ em seu grupo social de origem. Que em contrapartida, abarca um significado correlato a alguém que fala em nome de uma divindade, para um determinado fim.
Em segundo lugar, na ótica de Westermann, Sicre, Silva apurar-se-á aquilo que diferencia um profeta bíblico dos adivinhadores da cultura helenística e do mundo antigo; na qual a profecia hebraica tem sua peculiaridade e singularidade em relação aos oráculos gregos e as adivinhações do mundo antigo.
Em terceiro lugar, será abordada a profecia no seu sentido primário em detrimento do que comumente se diz acerca do cumprimento das profecias; visando não desvalorizar a mensagem profética do AT como ‘palavra criadora’. [1]  
Logo, profeta e profecia têm como prioridade a relação recíproca entre a Divindade e o profeta no exercício da legitimação da mensagem profética que, segundo Milton Schwantes (2010, contracapa) confere o seguinte sentido “a profecia é, por assim dizer, quem constitui a História de Israel”. [2]  
           
Significado DO TERMO PROFETA
Então, confira três definições relacionadas ao termo profeta’ dos respectivos autores e exegetas do AT – (Rösel, 2009, p. 90), (Silva, 2010, p. 6) e (Asurmendi, 2007, p. 9):      
O termo profeta deriva-se do termo grego profetes, que significa literalmente “prenunciador”. Mas esse significado não abarca a totalidade do fenômeno da profecia veterotestamentária, pois os profetas não prenunciam simplesmente acontecimento futuro. Ao anunciarem a palavra de Deus, eles cuidam para que o evento anunciado nessa palavra também aconteça. Poderíamos chamá-los, portanto, de “pro-vocadores”. [3]
A palavra profeta vem do grego pro-fetés e significa “alguém que fala no lugar do outro”, o porta-voz. Neste sentido, vários personagens são eventualmente chamados de profetas ao longo da Bíblia: Abraão, Moisés, Davi. Todavia, o termo é mais propriamente aplicado a homens e mulheres que assumem o papel de mediadores entre Deus e a raça humana. [4]    
Embora o termo grego prophétes não coincida necessariamente, em sua etimologia, com os termos usados em hebraico e em outros línguas semíticas para descrever a mesma realidade, deve-se reconhecer que o seu significado corresponde à função principal da personagem. O profeta é a pessoa que “fala na frente” do outro, da parte de um terceiro da divindade. [5]

Podemos ver que ambos os autores corroboram com uma mesma perspectiva referente ao termo profeta.
Portanto, os profetas eram ‘posta voz’ da mensagem divina com o intuito de manterem estritas relações com Aquele que ‘vela pela sua palavra para se cumprir’ (Jr 1.12). David Rubens (2010, p. 2) afirma que “os profetas despertam a esperança dos seus ouvintes entre oráculos de condenação e salvação, proclamados na perspectiva dos acontecimentos históricos que eles são chamados a viver”. [6]

PROFECIA
           
A saber, a profecia constitui uma porção impar das escrituras, dessa forma, o fenômeno da profecia é o lugar aonde Yhwh transmitiu seus juízos e promessas. Cássio Murilo Dias da Silva doutor em Ciências Bíblicas afirma que:

O fenômeno da profecia não é exclusivo de Israel e do mundo antigo, tal como hoje, é confundido com a capacidade de enxergar o futuro e prever os acontecimentos. Mas esta não é a única nem a principal atividade profética. A nomenclatura na Bíblia Hebraica é fluida e deixa entrever uma evolução no conceito do que significa agir como mediador: vidente – visionário – homem de Deus – profeta. Mas ainda, assinala também uma evolução dos meios de comunicação: visões – êxtase, possessão, transe – palavras, oráculos.
Os profetas bíblicos, portanto, não devem ser confundidos como adivinhadores do futuro. Eles não enxergam o futuro, mas sim o presente: observando as estruturas sociais e o comportamento individual das pessoas, o profeta emite um juízo, se aquela sociedade/pessoa caminha de acordo com a Lei de Yhwh ou não. Em caso afirmativo, aquela sociedade/pessoa pode ter esperança; em caso negativo... boa coisa não vai dar. [7]   

Por outro lado, segundo José Luis Sicre (2007, p, 17-28) o profeta está parcialmente relacionado aos fenômenos de adivinhações do mundo antigo. Ele salienta que etimologicamente os profetas bíblicos não são somente aqueles que prevêem o futuro. Haja vista que, p. ex., nos oráculos gregos a expressão transmite a ideia de que os deuses concedem aos homens o que está para acontecer (futuro). [8] Portanto, Sicre instituiu as seguintes evoluções no conteúdo profético dos profetas que os diferencia dos demais. Leiamos:

De uma palavra procurada pela pessoa a uma palavra enviada por Deus.
Do descobrimento de um enigma ao descobrimento de uma missão.
Da busca de segurança pessoal ao choque com uma responsabilidade.
Do interesse pessoal a responsabilidade em face dos outros. [9]

A propósito, o exegeta alemão Claus Westermann (1987, p. 111-114) compreende que a profecia obedece, no mínimo, três características:
            1 – A repreensão política.
            2 – A acusação de abusos sociais.
3 – Animadversões no campo religioso.[10]
Em primeiro lugar, os profetas acusam os reis ou chefes. Isso pode ser lido nas profecias de Amós, Miquéias e Isaías. P. ex., Is 1. 21-31 – repreende os chefes por sua arrogância. Em resumo, a relação entre monarca e profeta, ainda que, começasse bem terminava em duras repreensões pelo profeta.
            Em segundo lugar, os abusos e opressão contra os pobres podem ser evidenciados ao longo da literatura profética. Como se lê no livro de Miquéias. Cf. Mq 2. 1-5 – porquanto, a terra deve ser de todos. Logo, os profetas denunciam a vida farta de uns em detrimento da miséria de outros.
            Em terceiro lugar, os profetas, também, censuravam a idolatria do povo de Israel, pois, o culto a Yhwh devia ser o centro do coração do povo. Em conseqüência disso, vinham as formalidades religiosas, duramente, criticadas nas profecias, isto é, hipocrisia. [11] E, também, a luta contra falsos profetas (p. ex. Jeremias e Hananias [12] – Jr 28).
            Enfim, cabia aos profetas verdadeiros denunciarem todos os desvios da Lei de Yhwh.

PROFECIA PRIMÁRIA

            A profecia primária constitui-se em seu sentido direto – representando o momento propício do profeta. No entanto, quando se lê o NT sabe-se que a maioria das citações fornecidas do AT foi retirada da LXX, e isso é um agravante. Nestas condições, Schwantes afirma que tal procedimento acabaria por se distanciar de sua origem, pois quase se esquece de onde a profecia veio. P. ex. Is 7. 14-17 – Schwantes (2010, p. 154) diz que:

O nascimento e o crescimento desse menino-símbolo têm como consequecia à ruína dos invasores (Síria e Israel) e do próprio rei de Judá. O castigo não será instituído por um contra poder, igualmente violento e agressivo. Essa ruína será provida por um menino que nasce, cresce e vai aprendendo a discernir entre o bem e o mal.
Isaías confia no futuro da fraqueza, e desconfia até mesmo do presente da valentia. Profetiza sobre Emanel (“Conosco-está-Deus) e desautoriza Acaz e seus generais. [13]

Portanto, se existe uma relação recíproca entre AT e NT não é, necessariamente na profecia, mas segundo o teólogo alemão Rolf Rendtorff (2006, p. 46) essa relação se dá da seguinte forma “Antigo e o Novo Testamentos, como testemunho da revelação histórica de Deus, formam uma união indissolúvel”. [14]

CONCLUSÃO

            Conclui-se que quando se faz uma leitura rigorosa dos livros proféticos descobri-se o quanto a sua literatura significa para a fé em Israel. Até porque os profetas falaram em nome de Deus para juízo ou salvação daquela sociedade/pessoa que quisesse obedecer ao oráculo divino. Os profetas eram diferentes dos adivinhadores do mundo antigo. E suas profecias têm total respaldo para o oficio profético rudimentar. Como porta voz de Yhwh o profeta e sua profecia desempenham koh ‘amar YHWH, assim fala/falou YHWH – de modo que ele é o arauto da revelação de Deus.       

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Asurmendi, Jesús María. Da proclamação ao livro aberto. In: SICRE, José Luis. [organizador]. Os profetas. São Paulo: Paulinas, 2007. pp. 7-16.
Ausin, Santiago. Os profetas e a história. In: SICRE, José Luis. [organizador]. Os profetas. São Paulo: Paulinas, 2007. pp. 61-80.    
Bíblia. Português. Edição Pastoral da Bíblia. Tradução por Ivo Storniolo et. al. Paulus Editora, 1991.
RENDTORFF, Rolf. A formação do Antigo Testamento. São Leopoldo: Sinodal, 2006.
RÖSEL, Martin. Panorama do Antigo Testamento: história, contexto e teologia. São Leopoldo: Sinodal/EST, 2009.
RUBENS, David. Profetas: Homens de Yahweh; Homens do povo. Artigo preparado para aula de Profetismo no Seminário Teológico Vale Histórico em Taubaté/SP – 18set2010.
SCHWANTES, Milton. Breve história de Israel. São Leopoldo: Oikos, 2010.
SCHWANTES, Milton. A criança como sinal. In: Fassoni, Klênia; Dias, Lissânder; Pereira, Welinton. [organizadores]. Uma criança os guiará: por uma teologia da crianaça. Viçosa, MG: Ultimato, 2010. pp. 147-158.
Sicre, José Luis. Adivinhação e profecia. In: SICRE, José Luis. [organizador]. Os profetas. São Paulo: Paulinas, 2007. pp. 17-28.
Silva, Cássio Murilo Dias da. Aprenda a ler o Antigo Testamento. Ministrado no auditório das Edições Loyola. 26jun2010. Disponível em: http://airtonjo.blog.com/aprenda-a-ler-o-antigo-testamento/. Acesso em: 19out2010.
WESTERMANN, Claus. Teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Paulinas, 1987.


[1] Profetas“eles fincam pé na força da Palavra de Deus como criadora da história (Is 55.10-15)”. Cf. AUSIN, Os profetas e a história, p. 67.
[2] Schwantes, Breve História de Israel, contracapa.
[3] Cf. Rösel, Panorama do Antigo Testamento: História – Contexto – Teologia, p. 90.
[4] Cf. Silva, Aprenda a ler o Antigo Testamento, p. 6.
[5] Cf. ASURMENDI, Da proclamação ao livro aberto, p. 9.
[6] Cf. RUBENS, Profetas: Homens de Yahweh; Homens do povo, p. 2. 
[7] Cf. Silva, op. Cit., p. 6,7.
[8] Cf. SICRE, Adivinhação e profecia, p. 17-28.
[9] Ibidem, p. 28.
[10]  Cf. WESTERMANN, Teologia do Antigo Testamento, p. 111 – 114.
[11] Cf. Is 43. 22-28.
[12] Hananias é um falso profeta que recorre à demagogia, procurando dizer o que os ouvintes gostam de ouvir e nãoaquilo que povo precisa ouvir. Cf. Bíblia Sagrada Edição Pastoral, Jeremias, p. 991.
[13] SCHWANTES, A criança como sinal, p. 154.
[14] RENDTORFF, A formação do Antigo Testamento, p. 43.


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