“Quanto mais santo alguém é, tanto mais sente a luta”.
Introdução
Pecado é um conceito que não pode ser usado, senão num sentido religioso. Pela revelação que podemos definir o fato do pecado. Pecado é aquilo que quebra a comunhão com Deus. A essência do pecado consiste em que o homem não é dominado por Deus, mas é alguma coisa separada dele. Pecado não são simplesmente atos isolados, ou alguma coisa imperfeita, mas uma direção perversa da vontade, que implica num desvio do destino essencial dado por Deus ao homem.
Quando o homem é designado pecador, isto é um julgamento religioso que tem referencia ao homem como um todo. Não há uma divisão do homem dentro de uma parte inferior e sensória que é o assento do pecado e, uma parte superior e espiritual, que está fora do arco do pensamento.
1. Pecado como um conceito religioso.
No campo ético, a questão é sobre o bom e o mau, o certo e o errado, mas não sobre pecado. Quando o conceito de pecado é removido da esfera religiosa, ele torna-se fraco e debilitado.
O pecado é um conceito que está em conexão inseparável com a revelação para com Deus. Não há pecado que não seja contra Deus (Sl 51.40: Contra ti, contra ti somente pequei, e fiz o que é mal à tua vista, para que sejas justificado quando falares, e puro quando julgares).
Não podemos dividir pecado em duas classes: pecados contra Deus e pecados contra o próximo. Estes não existem sem que não sejam pecados contra Deus. O pecado contra o próximo torna-se pecado, justamente porque é pecado contra Deus.
A revelação divina revela o pecado. A fé cristã percebe o pecado mais claramente à luz da revelação do amor divino na obra de Cristo.
2. Pecado como descrença.
A relação religiosa fundamental, é comunhão com Deus, segue-se que a essência do pecado é alguma coisa que quebra e impede essa comunhão e causa a separação entre o homem e Deus. Os reformados afirmaram que a essência do pecado era descrença, eles deram ao conceito uma definição pertinente (Rm 14.23: Mas aquele que tem dúvidas, se come está condenado, porque não come por fé; e tudo o que não é de fé é pecado).
3. Pecado como perversão da vontade.
Pecado não pode ser entendido como consistindo simplesmente de pensamentos ou atos individuais isolados, característica do pelagianismo. Os vários pecados dependem da condição do “coração”. Aquilo que vem do coração contamina o homem (Mt 15.18; Lc 16.15: E disse-lhes: Vós sois os que vos justificais a vós mesmos diante dos homens, mas Deus conhece os vossos corações, porque o que entre os homens é elevado, perante Deus é abominação). Pecado não é algo “acidental” que está “mais ou menos” livremente em conexão com o homem e que podemos estar aptos a separar para nós, mas é, pelo contrário, algo que envolve e caracteriza o ser íntimo do homem, sua personalidade, nada é mais essencial ao homem que a inclinação de sua vontade.
4. Uma concepção total.
Não podemos dividir o homem em uma parte mais baixa, que seria o “assento” do pecado e, uma parte mais alta, que ficaria fora dessa esfera. Encontramos a idéia da divisão em Schleiermacher, ele faz uma distinção entre o sentimento mais baixo, sensual, e o mais alto, espiritual. Em seu modo de dizer, pecado consiste na vitória do sentimento sensual, sobre o mais alto, ou seja, o sentimento de Deus. Segundo Lutero, nada há mais certo à fé cristã do que não possuir o homem área alguma imune ao pecado e que seja aceitável a Deus.
O julgamento de que o homem é pecador é um julgamento total, aplica-se ao todo do homem, e, portanto, também ao “íntimo” e “espiritual”. Consequentemente, a salvação também se aplica ao todo do homem.
5. A polêmica pelagiana-agostiniana.
A bíblia, não apenas afirma a universalidade do pecado, mas atribui a solidariedade no pecado à origem comum da humanidade:
Rm 5.12: Portanto, como por um homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado a morte, assim também a morte passou a todos os homens por isso que todos pecaram.
ICo 15.21: Porque assim como a morte veio por um homem, também a ressurreição dos mortos veio por um homem.
IICo 5.14: Porque o amor de Cristo nos constrange, julgando nós assim: que, se um morreu por todos, logo todos morreram.
Para Pelágio, cada homem é criação imediata de Deus e, por isso, inocente e capaz de obedecer a Deus. Os efeitos do pecado de Adão recaíram só sobre Adão mesmo. Mas, não pecam todos? Sim. Isso, não por uma ligação qualquer com Adão, mas porque lhe seguem o exemplo. Poderia cada um deixar de fazê-lo. Cada um traz sobre si a morte espiritual por inteira responsabilidade, visto que poderia deixar de pecar. Segue o exemplo de Adão. Por que não segue o exemplo de Cristo? Cristo é o modelo, e ele nos salva exatamente por ser o modelo. Agostinho afirmava que cada homem é criação mediata, e não imediata, de Deus. Deus criou-nos, ao criar o primeiro homem, pois criou-o com o poder de procriar. E como nossos pais nos geraram pecadores toda raça é depravada, incapaz e condenável. O pecado de Adão, causou na humanidade toda a corrupção e a morte. Nós estávamos nele quando ele pecou. Estávamos nele seminalmente, germinalmente. Somos salvos por Cristo porque ele efetivamente se uniu a nós e nós unimo-nos a ele. Sl 51.5: Eis que em iniqüidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe.
Ef 2.3: Entre os quais todos nós também antes andávamos nos desejos da nossa carne, fazendo a vontade da carne e dos pensamentos; e éramos por natureza filhos da ira, como os outros também.
6. Pecado, Morte e Vida.
O poder do pecado sobre o ser humano se baseia no fato de que ele lhe promete vida, uma vida mais plena e rica. Isso é, seu “engano” (Rm 7.11: Porque o pecado, tomando ocasião pelo mandamento, me enganou, e por ele me matou). Somente assim se explica que, segundo Paulo, o pecado pode tomar o mandamento de Deus por “pretexto”, a fim de apoderar-se do ser humano: O mandamento de Deus é dado ao ser humano para a vida. Sua observação deve ajudar-lhe a preservar a vida recebida de Deus (Dt 32.47; Lv 18.5: Portanto, os meus estatutos e os meus juízos guardareis; os quais, observando-os o homem, viverá por eles. Eu sou o SENHOR). A cobiça que se dirige ao proibido, acredita saber melhor o que serve para a vida. Ela induz o ser humano a suspeitar de uma tendência biofóbica da Lei, como se uma observação da mesma encerrasse uma renúncia a algo que faz parte da riqueza da vida (Gn 3.4: Então a serpente disse à mulher: Certamente não morrereis). Assim, de acordo com Paulo, a Lei se torna instrumento do domínio do pecado, expondo aos olhos do ser humano a vida, fornecendo desse modo o motivo para que a cobiça tome em vista a vida, agora, porém, de tal modo que põe a Lei de lado. Por isso o ser humano, no anseio de viver, entra em contradição não somente com uma lei que restringe exteriormente seu autodesdobramento, e sim, também com sua própria razão que como diz Paulo, concorda com a Lei de Deus (Rm 7.22: Porque, segundo o homem interior, tenho prazer na lei de Deus), mas está desesperadamente sujeito ao cego impulso em busca de realização da vida.
David Rubens de Souza
Pindamonhangaba-SP. 21 de novembro/2010
prdavidrs@hotmail.com
Aurélio Agostinho (354-430): conhecido como Agostinho de Hipona ou Santo Agostinho, bispo católico, teólogo e filósofo. É considerado santo pelos católicos e doutor da doutrina da Igreja.