18 de fevereiro de 2011


Deus no século XXI: a ideia de Deus como ‘boa vontade kantiana’ na periferia de São Paulo
por Fernando de Oliveira

(...) A boa vontade não é boa pelo que produz e realiza, nem por facilitar o alcance de um fim que nos proponhamos, mas apenas pelo querer mesmo; isto quer dizer que ela é boa em si e que, considerada em si mesma, deve ser tida em preço infinitamente mais elevado que tudo quanto possa realizar-se por seu intermédio em proveito de alguma inclinação, ou mesmo, se se quiser, do conjunto de todas as inclinações. Emmanuel Kant, in 'Fundamentação da Metafísica dos Costumes'

Emmanuel Kant (1724-1804). Esse filósofo prussiano corresponde com a maior ruptura que a teologia cristã já conheceu, ou seja, deu-se em Kant a emancipação da metafísica clássica. Então, pode-se dizer que fomos ‘despertos do sono dogmático’, e quando a teologia descobriu isso foi à mesma coisa que dizer: "Que a relação e o discurso sobre Deus não precisava mais ser orientado pela metafísica platônica". Desse modo, havia de ser determinado o que a ‘razão’ pode, ou não pode, conhecer (em sentido epistemológico). Kant utilizou dois conceitos para definir tal sistema de conhecimento, cujos conceitos são: o fenômeno e o númeno kantiano. O teólogo batista Alessandro Rodrigues Rocha diz que:

“O fenômeno é a coisa para nós ou o objeto do conhecimento propriamente dito, é o objeto enquanto sujeito do juízo. O númeno é a coisa em si ou o objeto da metafísica, isto é, o que é dado ao pensamento puro, sem relação com a experiência”.[1]

            Nestas condições, esta afirmação mostrou que o sujeito do conhecimento só poderia conhecer aquilo que se configura no ‘tempo e no espaço’ - fenômeno. Em detrimento, do conhecimento que não é apresentado à sensibilidade, de modo que o pensamento puro não produz conhecimento (Episteme), isto é, verdadeiro conhecimento - númeno.

         Assim, nas palavras do filósofo e economista Eduardo Giannetti “não há estado mental sem um correlato neurofisiológico que o corresponda”.[2] Com o avanço na neurociência, hoje sabemos um pouco mais que Kant, pois todo conhecimento é sempre conhecimento de alguma coisa.
Em nível epistemológico isso é fantástico! Na concepção teológica abre a possibilidade de interpretar Deus de outra forma, que não seja, necessariamente, aquela do mundo das ideias platônica. Onde o mundo verdadeiro é o mundo das reminiscências, da alma preexistente que contemplou todo conhecimento ideal, mas que infelizmente esta presa no mundo sensível.
Portanto, Kant deu um soco no estômago da teologia cristã platônica. Que teve que procurar outra plataforma epistemológica para construir o Cristianismo. Logo, a teologia cristã não se resume a um ‘dualismo’ entre o mundo ideal e o mundo sensível, em uma disjunção ultra-mundo desvinculada do mundo do fenômeno, na qual a trama da história se desenrola.
Dessa forma, a caráter da fenomenologia da religião. Deus pode ser interpretado como a ‘boa vontade kantiana’ que dá sentido para a vida e conduz o individuo a uma comunidade de amor, na qual os crentes procuram vencer as intempéries (mau tempo) do cotidiano. Isso na esfera religiosa. Em contrapartida, sabemos que os fiéis sofrem muito na periferia paulistana com a falta de conhecimento. E a única coisa que resta é a igreja evangélica ou outro segmento religioso, durante a noite, após um penoso dia de trabalho.
Posteriormente na capital paulista não é diferente para o restante da população. Os paulistanos da periferia têm que conviver com a falta de acesso ao conhecimento. Enquanto, a política pública poderia esta resolvendo o problema da falta de informação, cultura, e educação de qualidade, que levasse os munícipes a se promoverem em sua auto-transcendência, ou seja, romper os limites habituais da entrega a violência e criminalidade.
Em conclusão, a teologia cristã tem um desafio! De não manter uma relação com esse tipo de política institucional. Que cria um ‘novo dogma’ para a igreja, o mercado da fé. Mas esta é a situação do evangelho na Brasil, e em especial na cidade de São Paulo. Aqueles que vão à igreja a procura do “vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei” (Mt 11.28). Estão sendo surpreendidos pela mensagem, que diz:  "entrega seu dinheiro, se não os gafanhotos cortador, migrador, devorador e destruidor irão roubar todo seu dinheiro, até seu último centavo". Isso é pura metafísica platônica, para aqueles que nem conhecem Platão. Isso é exatamente o que diria Nietzsche “cristianismo é um platonismo para o povo”. Por fim, graças a o filósofo prussiano a teologia cristã tem a oportunidade de pregar autonomia religiosa aos cristãos e a emancipação do mundo das idéias, para o mundo histórico da vida.    



[1] Alessandro R. Rocha. Uma Introdução a Filosofia da Religião: um olhar da fé cristã sobre a relação entre filosofia e religião na história do pensamento ocidental. p. 118. 
[2] Eduardo Giannetti. Sempre um papo. Falando sobre o livro “Ilusão da Alma”. Disponível em <http://www.sempreumpapo.com.br/audiovideo/player.php?id=214> acessado em: 29/01/2011.





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