29 de março de 2012

O EVANGELHO DA PERDIÇÃO

O evangelho de fraternidade é para a ética o que a complexidade é para o pensamento: ele apela a não mais fracionar, separar, mas ligar, ele é intrinsecamente re-ligioso, no sentido literal do termo.
Religioso? Como não ficar embaraçado e incerto diante desta palavra? Ela está ligada a demasiados conteúdos divinos que lhe parecem consubstanciais, mesmo se a tomarmos em seu sentido mínimo: re-ligar.
De fato, a religião, no sentido ordinário do termo, se define em termos opostos aos do evangelho da perdição: uma fé em deuses ou num deus supremo, com cultos e ritos de veneração. A religião de salvação promete, além disso, uma vida gloriosa após a morte.
Na verdade, a religião com deus(es) é uma religião do primeiro tipo. A Europa moderna viu surgir religiões sem deuses que se ignoravam como tais e que podemos chamar religiões do segundo tipo. Assim, o Estado-nação extraiu dele mesmo sua própria religião. Depois, foi a esfera leiga, racional, científica que elaborou religiões terrestres. Robespierre quis uma religião da razão, Augusto Comte acreditou fundar uma religião da humanidade, Marx criou uma religião de salvação terrestre que se proclamou ciência. Pode-se mesmo pensar que o espírito republicano da França da Terceira República tinha algo de religioso, no sentido em que religava seus fiéis pela fé republicana e pela moral cívica. Malraux, ao anunciar que o século XXI seria religioso, não viu que o século XX era fanaticamente religioso, mas inconsciente da natureza religiosa de suas ideologias.
Assim, a palavra religião não pode mais se limitar às religiões com deuses. Mas, como recusamos considerar uma religião do segundo tipo (providencialismo e salvação), por que evocar a palavra religião?
Porque temos necessidade, para levar adiante a hominização e civilizar a Terra, de uma força comunicante e comungante.
É preciso um impulso, religioso neste sentido, para operar em nossos espíritos a reliance entre os humanos, que por sua vez estimule a vontade de ligar os problemas uns aos outros.
Pode-se considerar uma religião terrestre do terceiro tipo que seria uma religião da perdição?
Se o evangelho dos homens perdidos e da Terra-Pátria pudesse dar vida a uma religião, seria uma religião em ruptura tanto com as religião da salvação celeste quanto com as religiões da salvação terrestre, tanto com as religiões com deuses quanto com as ideologias que ignoram sua natureza religiosa. Mas seria uma religião capaz de compreender as outras religiões e de ajudá-las a reencontrar sua fonte. O evangelho da anti-salvação pode cooperar com o evangelho da salvação justamente na fraternidade que lhes é comum.
Essa religião, muitos de nós já a pré-vivemos, mas isoladamente, sem estarmos ainda re-ligados pela força comunicante e comungante.
     Essa religião comportaria uma missão racional: salvar o planeta, civilizar a Terra, realizar a unidade humana e salvaguardar sua diversidade. Uma religião que asseguraria, e não proibiria, o pleno emprego do pensamento racional. Uma religião que se encarregaria do pensamento leigo, problematizante e autocrítico oriundo da Renascença européia.
Seria uma religião no sentido mínimo do termo. Esse sentido mínimo não é redução ao racional. Ele contém algo de sobre-racional: participar daquilo que nos ultrapassa, abrir-se ao que Pascal chamava caridade e que podemos também chamar com-paixão. Compreende um sentimento místico e sagrado. Apela talvez a um ritual. Toda comunidade tem necessidade de comunhão. Nos ritos em que comungam os fiéis, estes sentem fortemente uma identidade que se liga a um sobre-racional e a um sobre-real, por eles chamado deus(es).
Seria uma religião sem deus, mas na qual a ausência de deus revelaria a onipresença do mistério.
Seria religião sem revelação (como o budismo), uma religião de (amor (como o cristianismo), de comiseração (como o budismo), na qual não haveria nem salvação por imortalidade! ressurreição do eu, nem libertação por desaparecimento do eu.
Seria uma religião das profundezas: a comunidade de sofrimento e de morte.
Seria uma religião sem verdade primeira, nem verdade final. Não sabemos por que o mundo é mundo, por que estamos no mundo, por que desapareceremos nele, não sabemos quem somos.
Seria uma religião sem providência, sem futuro radioso, mas que nos ligaria solidariamente uns aos outros na Aventura desconhecida.
Seria uma religião sem promessa mas com raízes: raízes em nossas culturas, raízes em nossa civilização, raízes na história planetária, raízes na espécie humana, raízes na vida, raízes nas estrelas que forjaram os átomos que nos constituem, raízes no cosmos onde apareceram as partículas que constituem nossos átomos.
Seria uma religião terrestre, não supraterrestre, e não mais de salvação terrestre. Mas seria uma de salvaguarda, de salvamento, de liberação de fraternidade.
Seria uma religião, como toda religião, com fé, mas, diferente das outras religiões que recalcam a dúvida pelo fanatismo, reconheceria em seu seio a dúvida e dialogaria com ela. Seria uma religião que assumiria a incerteza.
Seria uma religião aberta sobre o abismo.

O reconhecimento da Terra-Pátria conflui com a religião dos mortais perdidos, ou melhor, desemboca nessa religião da perdição. Não há portanto salvação se a palavra significa escapar à perdição. Mas se salvação significa evitar o pior, encontrar o melhor possível, então nossa salvação pessoal está na consciência, no amor e na fraternidade, nossa salvação coletiva é evitar o desastre de uma morte prematura da humanidade e fazer da Terra perdida no cosmos, nosso “porto de salvação”.
  
In: MORIN, Edgar & KERN, Anne Brigitte. Terra-Pátria.P. Alegre, Sulina (3ª. Ed.), 2000. pg.179-182.

SAMBANDO COM OS MESTRES










ESSES SÃO OS BANBAS DE ANTIGAMENTE,
VIVOS EM NOSSOS CORAÇÕES

28 de março de 2012

VOLTANDO A POSTAR

Depois de um longo período de férias e de um computador com defeito, desde o final do ano passado. Voltei! Pretendo postar com regularidade e transitar pelos mais diversos temas do conhecimento humano. Tudo isso numa perspectiva "complexa", para acompanhar o desfecho de uma "Era Planetária" (segundo MORIN). Confesso que a experiência teológica faz jus à competência transdisciplinar, de se fazer humano a cada dia, por isso, vale a pena dizer que no mundo da "morte de Deus e do homem, o que emerge é o super-homem" (segundo NIETZSCHE). Por fim, quero compartilhar um vídeo do professor André Martins.


    

14 de janeiro de 2012

APOCALIPSE 20.4-6: UMA LEITURA PRETERISTA DO MILENARISMO APOCALÍPTICO DE JOÃO


O milenarismo, no verdadeiro sentido do termo, remete a esperança de reencontrar, no futuro, o paraíso perdido das origens. É uma espécie de “saudade do futuro”, cuja fonte principal é o capítulo 20 do Apocalipse, o livro das “revelações” atribuído a São João e redigido em torno do ano 90. De fato, o autor vê um anjo descer do céu e acorrentar o Dragão, isto é, o mal, “por mil anos”. Então, os mártires e todos que se recusaram a adorar a Besta “voltarão à vida e reinarão com Cristo durante mil anos... Passados os mil anos, Satanás será solto de sua prisão e sairá para seduzir as nações”. Vão-se suceder, então, a última batalha de Deus contra o mal, depois a ressurreição geral – porque, durante os mil anos, somente os justos serão ressuscitados – e enfim o juízo final.    
(DELUMEAU, 2000, p.345)
   






Fernando de Oliveira[1]
Professor: Jose Ozean Gomes







Resumo




Este artigo apresenta uma breve reflexão sobre o Apocalipse 20.4-6, num ponto de vista preterista. Partindo da discussão milenarista em torno da palavra grega ζησαν. Observando, de modo rápido, o que as correntes milenaristas pensam acerca da ressurreição. Para, enfim, analisar o texto numa perspectiva histórico-social a fim de trazer alguma luz para a exegese apocalíptica.




Palavras-chave: Ressurreição, Martírio, Perseguição, Culto Imperial, Juízo Final.





introdução



            Num primeiro momento, será trabalhado de forma bem sucinta, uma interpretação sintático-gramatical do termo grego ζησαν. Para, logo, em seguida, discorrer sucintamente sobre as correntes milenaristas e suas ideias sobre a ‘ressurreição’. No demais, estará em pauta à questão histórico-social do texto do Apocalipse 20.4-6. Pois, segundo os acontecimentos da época, a melhor forma de descobrir o real significado do texto é olhar para o contexto de martírio, perseguição e culto Imperial. Re-lembrando que os cristãos viviam uma situação de insegurança e esperança, tudo ao mesmo tempo. Portanto, as formulações escatológicas que atendiam as ânsias existências daqueles irmãos, formam um conjunto de crenças e concepções de felicidade transcendente que são mitológicas. Tendo o propósito de trazer alívio as tensões da vida, em meio ao eminente perigo da morte.   
           
correntes milenaristas e a “ressurreição”.



Nas correntes milenaristas, o texto de apocalipse 20.4-6 se re-configura de acordo com a visão que ambos os grupos possuem do termo grego ζησαν, cuja transliteração é “edzesan”,[2] de modo mais simples significa “viveram”. A palavra traz a respectiva definição, conforme afirma Taylor (1991, p. 94), “recupero a vida, revivo, ressuscito-me”. Segundo Fritz e Rogers (1995, p. 636), ζησαν indica “aor. ind. at. ζάω.[3] viver”, isto é, verbo aoristo indicativo ativo – terceira pessoa do plural.
A palavra ζησαν corresponde ao aoristo fraco, pois precisa do sufixo σ para formar a silaba σα com a vogal alfa, indicando o tema do aoristo. Refere-se há um tempo histórico que é caracterizado por apontar o passado verbal. O aoristo pressupõe uma ação objetiva e pontual. Uma realização plena como um todo único. O Apocalipse 20.4-6 diz respeito a uma ação ativa e corroboram com a perspectiva “eles voltaram à vida” (Ap 20.4). Parece haver uma ambiguidade, pelo fato, do aoristo indicar passado e o termo ser presente do futuro. O que acontece é que o tempo verbal está no passado e a situação refere-se ao presente do futuro. Isso se sucede frequentemente em oráculos e profecias. É bastante comum encontrar indicativo presente com valor de futuro próximo. O indicativo αν serve para descrever o poderia ter sido, mas inda não foi. Portanto, é uma palavra irreal no passado, sendo que não pode haver uma palavra irreal no futuro, pois o futuro ainda não aconteceu.[4]
            De acordo com Erickson (2010), os Amilenistas interpretam a palavra “viveram”, indicando duas ressurreições. Sendo a primeira espiritual para os mártires. E a segunda geral e física ensinada no Novo Testamento. Já os Pós-Milenistas, se diferenciam, somente, no primeiro caso. A primeira ressurreição está relacionada ao novo nascimento do cristão. Enquanto, a segunda é física, isto é, a ressurreição final. Para os Pré-Milenistas Clássicos as duas ressurreições são físicas e literais.  
            Um outro, grupo, denominado por Dispensacionalistas, compreendem a ressurreição em diferentes perspectivas e utilizam, além do Apocalipse 20.4-6, os sermões proféticos dos sinóticos e as setentas semanas de Daniel para corroborar com seus pensamentos. Afirmando, assim, segundo Sebastião (2010), no mínimo três ressurreições. A primeira acontecerá antes da Grande Tribulação. Somente para a Igreja, para aqueles que morreram em Cristo e os fiéis de todos os tempos. Lembrado que este momento está associado com o Arrebatamento Secreto. A segunda é, para outro grupo de crentes, aos que morreram na Grande Tribulação. A terceira corresponde aos ímpios que irão ressuscitar para o dia do Juízo, perante o Trono Branco.[5]
            Afinal de contas, todas estas correntes milenaristas possuem sua peculiaridade, no que se restringe a ressurreição. Logo, este estudo não se aterá a tais linhas de pensamento. De modo que o objetivo é trazer clareza ao momento histórico-social do texto. Pois, muitas das vezes, o contexto é relegado, sem um exame mais minucioso. Por isso, a finalidade será elucidar questões como: o martírio, a perseguição, o culto Imperial e, por fim, a ressurreição.         



LEITURA HISTÓRICO-SOCIAL DO APOCALIPSE 20. 1-6.



“A pregação escatológica anuncia que o fim eminente do mundo não só será o juízo final, senão também o princípio do tempo da salvação e da felicidade eterna (BULTMANN, 2005, p. 22)”. Para entender o apocalipse, segundo afirma Bornkmamm (2003), é preciso deixá-lo no seu próprio tempo, com seu pano de fundo histórico e religioso. O livro faz parte da rica cultura literária da apocalíptica judaica. E lembra muito a profecia do Antigo Testamento, diferenciando-se apenas em seu dualismo cósmico. João não é nenhum profeta, num sentido veterotestamentário. Mas, de acordo, com suas revelações parece prever o futuro “as coisas que devem acontecer muito em breve” (Ap 1.1). Um profeta não prevê somente futuro. Conforme afirma Ausin (2007, p. 79), “os profetas despertam a esperança dos seus ouvintes entre oráculos de condenação e salvação, proclamados na perspectiva dos acontecimentos históricos que eles são chamados a viver”. Portanto, a escatologia e apocalíptica anunciam uma catástrofe cósmica final, mas ambas tem por finalidade a salvação paradisíaca para os inscritos no “livro da vida” (Ap 20.12).



Apocalipse 2.4-6: martírio, perseguição, culto ao Imperador e a ressurreição.



20 o reino de mil anos – [...] 4 Vi então tronos, e os que nele se sentaram foi dado poder de julgar. Vi também as almas daqueles que foram decapitados por causa do Testemunho de Jesus e da Palavra de Deus, e dos que não tinham adorado a Besta, nem sua imagem, e nem recebido a marca sobre a fronte ou na mão: eles voltaram à vida e reinaram com Cristo durante mil anos. 5 Os outros mortos, contudo, não voltaram à vida até o termino dos mil anos. Esta é a primeira ressurreição. 6 Feliz e santo aquele que participa da primeira ressurreição! Sobre estes a segunda morte não tem poder; eles serão sacerdotes de Deus e Cristo, e com ele reinarão durante mil anos [...].
           
Neste contexto, compreender o martírio [testemunho] torna-se fundamental, para entender o ideal de vida cristão, daquela época. Qual seria o significado do martírio para aqueles cristãos? De acordo com Selvatici (2007), o martírio [testemunho] no Cristianismo antigo era um meio de prazer e felicidade, pelo qual o fiel sentia-se realizado em sua fé. A clássica ideia de testemunhar da fé, por meio da morte. Isso pode ser visto nas histórias de Jesus, Estevão, Paulo, Pedro, João e Policarpo.[6] Os textos do Novo Testamento, em especial o Apocalipse, foi instrumentalizado para justificar o martírio, enquanto um ideal de vida prioritário, no inicio do segundo século.  “O texto de João é uma defesa ao martírio idealizado (MIRANDA, 2005, p. 5)”.[7]
O apocalipse parece ser um livro em que os cristãos estavam sendo perseguidos. Existiu realmente uma perseguição generalizada (oficial) aos cristãos no final do primeiro século? Segundo Miranda (2005 e 2011), tudo indica que não. O que realmente houve, foram algumas perseguições esporádicas. Até porque se lêem em Timóteo, Tito e Pedro que os cristãos deviam submeter-se às autoridades. E Clemente Romano esboço a mesma opinião. Sendo que as cartas enviadas às igrejas Ásia Menor contraria a expectativa joanina, pois os líderes das igrejas incentivavam “relações de parceria e troca com a sociedade romana”.[8] Para João estes irmãos estavam fazendo um acordo com a besta (Ap 11,7; 13.7-8; 14-17). Em relação à perseguição, pode-se ler na ‘Carta de Plínio a Trajano’ que o governador da Bitínia, nem sabia ao certo o que fazer com os crentes, que se recusam a honrar o Imperador. A partir daí começa uma perseguição de forma mais efetiva. Portanto, o problema não está precisamente na perseguição, mas sim no culto ao Imperador.
            Segundo Ribeiro (2008), a origem do culto ao Imperador estava na tradição, que costumava prestar honras aos reis e heróis do período helenístico. Este culto legitimava a união territorial do Império Romano (Pax Romana). Na Ásia Menor o culto foi instituído, pelo fato, de muitos gregos habitarem naquela região. No tempo em que foi escrito o apocalipse, o culto era prestado aos imperadores Vespasiano, Tito e Domiciano todos de origem flaviana. E para que as cidades da região da Ásia Menor conquistassem benefícios econômicos e político do Império, era necessário promover honras divinas ao Imperador. Tudo para defender os interesses pessoais de uma elite local, que se localizava numa respectiva cidade/província. Afinal eles precisavam angariar tributos exuberantes ao divinizado Imperador, para se beneficiar das regalias do Império.[9] Portanto, os romanos procuravam promover a ação política e militar dentro de uma esfera de poder. Segundo afirmam Arens e Mateos (2004, p. 77),



Como vemos, na perspectiva do culto ao imperador esclarece-se o contexto religioso-político do Ap. O culto ao imperador era uma espécie de religião do Estado, e a fidelidade política expressava-se pela participação nele. A teologia profética do Ap constituirá uma vigorosa condenação absolutista do império, que usurpava a soberania só a Deus correspondente. Nesse conflito entre soberanias, o cristão deve ter a posição bem clara.                    



Segundo afirma Bull (2009), Domiciano exigia ser chamado de “dominus et deus noster” (nosso Senhor Deus). Nesta situação, acontecia o culto ao Imperador. Ele costumava usar de violência com os partidários da oposição. Não que houvesse existido uma perseguição generalizada por parte de Domiciano, mas existiu uma patente insegurança, diante do seu regime por parte dos cristãos. A propagação e a popularidade do culto ao Imperador eram muito vastas na Ásia Menor. “Para João, as conquistas romanas nasciam de ações de autoridades satânicas e não divinas”.[10] Pelo fato de ser admirada pelos habitantes da terra, Roma queria controlar todas as dimensões da vida humana. Theissen diz que (2007, p. 127),



O mundo está em rebelião contra Deus. Esta rebelião manifesta-se na dureza dos corações humanos e a sua arrogância sob os golpes do julgamento de Deus. O processo todo fica cada vez pior, até culminar na adoração do imperador romano e do poder do Estado. O caos é universal, e logo uma guerra é deslanchada contra os “santos”, que, armados somente de firmeza e lealdade à sua fé, se recusam a se submeter. Então Roma é desmascarada como Babilônia, a grande prostituta, cuja raiva de fera na Terra não passa do último golpe de satã depois que foi lançado dos céus e silenciado por Deus (12.10: E ouvi uma grande voz no céu, que dizia: Agora é chegada à salvação, e a força, e o reino do nosso Deus, e o poder do seu Cristo; porque já o acusador de nossos irmãos é derrubado, o qual diante do nosso Deus os acusava de dia e de noite).    



Se não bastasse somente o culto ao Imperador. Pode-se lembrar que Nero, por volta de 64 d.C., ateou fogo em Roma e culpou os cristãos. Ainda mais quando eclodiu a revolta judaica e, por conta disso, a destruição do Templo de Jerusalém. Se voltarmos um pouco na história, ver-se-ia que o grupo que deu origem ao Cristianismo eram todos judeus. E que durante a formação dos Evangelhos eles tiveram muito conflitos com os outros judeus, que João considerava os da “sinagoga de Satanás” (Ap 2. 9); tudo devido a formação das recém Igreja Cristã. Lembrando que os fariseus se reorganizaram em Jâmnia, e depois da destruição eles passaram a decidir quem era e quem não era judeu. Rausch diz que (2006, p.99), os fariseus:



[...] desempenharam um papel de destaque na reconstrução do judaísmo após a destruição do Templo no ano 70 d.C. e, portanto, na formação do judaísmo moderno. Eles são retratados negativamente nos Evangelhos em virtude dos conflitos entre os judeus e comunidades cristãs ocorridas por volta do ano 80, quando as sinagogas começaram a excomungar os cristãos judeus. 



Segundo Miranda (2011), os cristãos eram acusados pelos judeus por negarem a lei judaica. Contudo, no período de João os cristãos já haviam sido expulsos da sinagoga. Isso gerou problemas para a igreja, pois os cristãos passaram a ser notados pelo Império Romano. “Essa situação de conflito e crise de identidade religiosa ainda se agravava por causa da própria instabilidade política do Império romano [...] (MIRANDA, 2011, p. 44)”. Agora, sim, é possível interpretar o Apocalipse 20.4-6, a luz da interpretação histórico-social.
Afinal de contas, dum ponto de vista preterista[11] a primeira besta que emergiu do mar é o Imperador com todo o Império Romano (Ap 13.1-10). Porquanto, eles reivindicavam honras divinas. Por isso a perseguição que possivelmente abateu João e Antipas, poderá alcançar os crentes no futuro e parcialmente no presente. E quando isso acontecer eles terão que escolher entre adorar a “Satanás e sua besta ou a Deus”. “Ela é adversária de Deus por suas reivindicações blasfemas por divindade, e sua usurpação da adoração que deveria ser dada apenas a Deus”.[12] Os mártires do Apocalipse 20.4-6 são aqueles que não foram marcados pela besta (Ap 13.16-18) e sim por Deus (Ap 7.14-17; 14.1). Pois aqueles que se deixaram seduzir pelo Império, receberão o juízo de Deus na segunda ressurreição. Enquanto, aqueles que foram martirizados ressuscitarão e reinarão com Cristo durante mil anos.
Portanto, segundo Valdez (2009), conforme o pensamento do cristianismo primitivo, a ressurreição dos cristãos é espiritual. Pelo fato do corpo, ser um corpo espiritual, animado por uma alma (essência mental). Já a outra ressurreição será no final de todas as coisas, destinada a humanidade em geral. Principalmente, para aqueles que não foram fiéis ao testemunho de Jesus e a sua Palavra, portanto, estes terão seu corpo carnal restituído para o Juízo Final (fim do Milênio). Então, os irmãos deviam escolher: adorar ao Cordeiro que foi morto e reviveu ou a Satanás e sua besta.



considerações finais.



Este sistema escatológico se re-configura a longo da história do Cristianismo, e tem seu ápice escatocrônico nas reminiscências dos cristãos de todos os tempos. No demais, a proposta de uma escatologia cristã preterista, traz a tona, todo um mundo regido pelas nuances de uma linguagem mitológica, que se funde com o mundo real. No qual o ser humano é o criador de seus próprios vislumbres existenciais. Em especial, no que diz respeito, a uma nova ordem cósmica e fundante das realizações sociais e interpessoais da vida. Pois “o que está sentado no trono declarou então: Eis que faço nova todas às coisas” (Ap 21.5). Portanto, toda essa configuração escatológica, se estrutura numa ação de esperança, em uma nova ordem, longe dos domínios de Satanás e sua besta.




[1] Bacharel em Teologia pelo Instituto Bíblico das Assembleias de Deus no Brasil.
[2] Obs. Pela falta de uma fonte de transliteração do Grego no documento do Word, a ratificação torna-se válida para o estudo. Se referindo ao termo citado no texto está faltando o acento agudo e os sinais diacríticos. De acordo com a imagem manuscrita, deveria estar da seguinte forma:
[3] 1) para viver, respirar, estar entre os vivos (não sem vida, não morto). 2) para desfrutar de 2a a vida real, para ter a vida verdadeira e digna do nome 2b) ativo, bem-aventurados , sem fim no reino de Deus. 3) para viver a vida passar, ou seja, na maneira do viver e agir 3a) dos mortais ou personagem. 4) água viva, tendo poder vital em si mesmo e exercendo o mesmo sobre a alma [...]. Cf. http://www.greekbible.com/l.php?za/w_v-3aai-p--_p.
[4] Cf. SANTOS, Amador Ángel García. Gramática do Grego do Novo Testamento. São Paulo: Edições Loyola, 2008. pp. 67-74.
[5] SEBASTIÃO, Andréa do Reis. A crença no Arrebatamento da Igreja: seus desenvolvimentos e transformações imagéticas. 2010.  122 f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião) – Programa de Pós Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, SP, 2010. pp. 17-18.
[6] SELVATICI, Monica. Vídeo. O martírio de Estevão no Cristianismo antigo: testemunho e júbilo através do sofrimento. In: VIII Colóquio Internacional do CPA. “Prazer, Felicidade e Justa Medida no mundo Antigo”. Disponível em: <http://www.unicamp.br/~aulas/4_5.htm.htm>. Acesso em: 28 jun. 2011.
[7] MIRANDA, Valtair Afonso. Apocalipse de João e Clemente Romano como fontes para uma discussão do contexto histórico-social das comunidades cristãs do final do primeiro século. São Paulo, (UMESP), Orácula, São Bernardo do Campo, v. 1, n. 1, 2005.
[8] Ibid., p. 4.
[9] RIBEIRO, Gilvaldo Mendes. Culto Imperial e o Apocalipse de João: Uma analise exegética do Ap 13.1-18. 2008.  143 f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião) – Programa de Pós Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, SP, 2008. pp. 94-126.
[10] Ibid., p.122.
[11] O apocalipse é mais uma obra da literatura apocalíptica da época [...]. É preterista porque só vê a mensagem do livro relacionada com a época do escritor. MIRANDA, Valtair Afonso. Apocalipse 7: uma aproximação por meio da pluralidade dos comentaristas. São Paulo, Revista Theos – Revista de Reflexão Teológica da Faculdade Teológica Batista de Campinas. Campinas: 5. ed., v. 4, n. 1, Junho de 2008. p. 6.
[12] MIRANDA, op. cit., 2005, p. 5.




BIBLIOGRAFIA.



Documentação.
Apocalipse. In: Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Paulus, 6ª impressão, 2010. 2206 p.



Recursos da Língua Grega.
REINECKER, Fritz; ROGERS, Cleon. Chave Linguística do Novo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 1995. 639 p.
SANTOS, Amador Ángel García. Gramática do Grego do Novo Testamento. São Paulo: Edições Loyola, 2008. 344 p.
TAYLOR, William Carey. Dicionário Grego do Novo Testamento. 9. ed. Rio de Janeiro: JUERP, 1991. 247 p. 



Trabalhos Acadêmicos.
MIRANDA, Valtair Afonso. Apocalipse 7: uma aproximação por meio da pluralidade dos comentaristas. São Paulo, Revista Theos – Revista de Reflexão Teológica da Faculdade Teológica Batista de Campinas. Campinas: 5. ed., v. 4, n. 1, Junho de 2008. 9 p.
_____. Apocalipse de João e Clemente Romano como fontes para uma discussão do contexto histórico-social das comunidades cristãs do final do primeiro século. São Paulo, (UMESP), Orácula, São Bernardo do Campo, v. 1, n. 1, 2005. 11 p.
RIBEIRO, Gilvaldo Mendes. Culto Imperial e o Apocalipse de João: Uma analise exegética do Ap 13.1-18. 2008.  143 f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião) – Programa de Pós Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, SP, 2008.
SEBASTIÃO, Andréa do Reis. A crença no Arrebatamento da Igreja: seus desenvolvimentos e transformações imagéticas. 2010.  122 f. Dissertação (Mestrado em Ciência da Religião) – Programa de Pós Graduação em Ciências da Religião, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, SP, 2010.



Livros.      
ARENS, Eduardo; MATEOS, Manuel Díaz. O Apocalipse a força da esperança: estudo, leitura e comentário. São Paulo: Edições Loyola, 2004. 381 p.    
Ausin, Santiago. Os profetas e a história. In: SICRE, José Luis. [organizador]. Os profetas. São Paulo: Paulinas, 2007. pp. 61-80.
BORNKAMM, Günther. Bíblia Novo Testamento: Introdução aos seus escritos no quadro da história do cristianismo primitivo. 3. ed. São Paulo: Teológica, 2003. 190 p.
BULL, Klaus-Michael. Panorama do Novo Testamento: história, contexto e teologia. São Leopoldo: Sinodal / EST, 2009. 237 p.
BULTANN, Rudolf Karl. Jesus Cristo e Mitologia. 3. ed. São Paulo: Fonte Editorial, 2005. 80 p.
DELUMEAU, Jean. De religiões e de homens. São Paulo: Edições Loyola, 2000. 403 p.
ERICKSON, Millard J. Escatologia: a polêmica em torno do milênio. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2010. 245 p.
MIRANDA, Valtair A. Revelação: como ler e entender o Apocalipse. São José dos Campos: Inspire, 2011. 152 p.
RAUSCH, Thomas P. Quem é Jesus: uma introdução a cristologia. Aparecida: Santuário, 2006. 347 p.
THEISSEN, Gerd. O Novo Testamento. Petrópolis: Vozes, 2007. 149 p.
VALDEZ, Adylson. O livro do apocalipse: Uma interpretação conforme a história e o simbolismo bíblico. São Paulo: Fonte Editorial, 2009. 273 p. 

10 de janeiro de 2012

Ernst Käsemann VIDA E PENSAMENTO

Ernst Käsemann (1906-1998), teólogo luterano e professor de Novo Testamento em Mainz (1946-1951), Göttingen (1951-1959) e Tübingen (1959-1971).
Käsemann obteve seu PhD em Novo Testamento na Universidade de Marburg, durante 1931, tendo escrito uma dissertação sobre Eclesiologia Paulina, com Rudolf Bultmann como seu orientador de doutorado. Käsemann foi um dos alunos de Bultmann mais conhecido. Ele se juntou a Igreja Confessante em 1933, no mesmo ano, foi nomeado pároco em Gelsenkirchen, em um bairro habitado principalmente por mineiros.
Durante 1939, ele completou sua habilitação, que o qualificou para ensinar em universidades alemãs, sua tese foi sobre o Novo Testamento Epístola aos Hebreus. Käsemann foi posteriormente servir como soldado. Voltou ao seu trabalho teológico, durante 1946, depois de vários anos no exército e como prisioneiro de guerra.
Käsemann foi envolvido com o que é conhecido como o “New Quest para o Jesus histórico", uma nova fase de interesse acadêmico em trabalhar fora o que poderia ser determinado historicamente sobre Jesus. Käsemann efetivamente começou esta fase, quando ele publicou seu famoso artigo "O Problema do Jesus histórico", durante 1954, inicialmente sua aula inaugural como professor em Göttingen, em 1953.
Käsemann levou a apocalíptica judaica mais a sério do que a maioria de seus colegas contemporâneos e pensou que fosse de importância vital para uma leitura de Paulo. Na verdade, ele famosamente descreveu apocalíptica como "a mãe da teologia cristã". O comentário de Käsemann sobre a Epístola de Paulo aos Romanos, publicado pela primeira vez em 1973, tornou-se um padrão de trabalho para essa geração. Portanto, Ernst Käsemann foi doutor honoris causa das universidades de Marburg, Durham, Edimburgo, Oslo e Yale.

24 de novembro de 2011

Pentecostalismo e Escatologia Dispensacionalista

OS SIONISTAS CRISTÃOS:
Na rota para o Armagedóm

Stephen R. Sizer


Qual seria a relação do Pré-Milenismo Dispensacionalista com a Política Norte-Americana? A dissertação de "Daniel Rocha" é muito sugestiva. Aconselho a leitura, basta clicar no link... PUC MINAS

15 de novembro de 2011

Karl Barth, a Teologia da Palavra de Deus e Um Mundo Sem Fundamentação Metafísica da Verdade

Karl Barth (1886-1968). Sua maior contribuição à teologia evangélica foi reafirmar, novamente, os dogmas fundamentais da Fé Cristã.  Sendo que sua teologia alcançou ápice nas primeiras cinco décadas do século XX. Barth escreveu a famosa Dogmática da Igreja e, também, a Carta aos Romanos, Esboço de uma Dogmática, Introdução a Teologia Evangélica entre outros livros. Foi pastor em Safenwil, interior da Suíça. E professor de Teologia Reformada em Göttingen, Tübingen e Bonn. Sempre se dedicou a interpretação sistemática das Sagradas Escrituras.
            A Carta aos Romanos é o manifesto de Barth, na obra, ele irá contra os ensinamentos recebidos pelos teólogos liberais (Schlatter, Harnack, Cohen e Natorp [particularmente os neokantianos] – com exceção de Wilhelm Hermann), com os quais houvera aprendido na Universidade. Na obra ele chega a afirmar que a história da humanidade “é a luta pela existência, hipocritamente dissimulada nos ideais de justiça e liberdade (BARTH, 2009, p. 113)”.  Assim, ele estava querendo mostrar que a teologia liberal, era uma espécie de moralismo apático; que na verdade, parecia mais, uma auto-justificação do ser humano. Em detrimento da justiça de Deus pela fé em Jesus Cristo.
Sendo que os liberais ainda alimentavam, uma certa, crença nos ideais de justiça e liberdade do Iluminismo, isto é, o progresso científico da raça humana. De modo que os alemães estavam fazendo a vontade de Deus ao se rebelar contra as nações Capitalistas. Conforme afirma Olson (2001), seus professores (em especial Harnack) apoiaram a política de guerra do governo alemão. Tanto é que Barth se decepcionou, pois a teologia liberal que tinha aprendido, não servia para suas pregações na comunidade onde era pastor.
Barth é classificado na escola teológica da Neo-Ortodoxia. Os liberais rejeitaram os dogmas e interpretavam a Bíblia de forma puramente racional. Barth foi lá e resgatou os princípios de fé definidos pela igreja. Fazendo uma re-leitura dos pontos centrais do Cristianismo. Segundo Olson (2001), Barth foi uma praga para existência dos liberais. Sua teologia estava centralizada na Palavra de Deus, que é o um evento que está além do mundo e da razão humana.
A Bíblia não é a Palavra de Deus, ela se torna a Palavra de Deus, à medida que ganha significado na existência humana. Sendo que, tanto a Palavra escrita quanto a falada, ambas se tornam a Palavra de Deus. Segundo Barth (2007), não se diz nada de diferente, apenas confirma-se que a Palavra de Deus tem seu cumprimento na história de Jesus Cristo, que consuma a história de Israel – acontecendo, assim o Evangelho de Deus. Aqui ele tem influências do Existencialismo, mas logo depois deixa esta filosofia de lado. E se recusa a aderir qualquer tipo de filosofia em sua teologia. Na segunda edição da Carta aos Romanos, ele elimina por completo toda influência existencialista. 
Já a Palavra revelada não se torna a Palavra de Deus, ela é a própria Palavra. Barth deu todo um sentido Eclesiológico Cristológico para a “Teologia da Palavra de Deus”. Porque a igreja é o veículo da proclamação e revelação de Deus. “A Bíblia [veio a ser] não é meramente uma coletânea de documentos antigos a serem examinados criticamente, mas, sim, uma testemunha de Deus” (BROWN, 1989 apud FERREIRA, s/d, p. 3). Esta revelação tem sua expressão máxima em Jesus Cristo, que é o logos de Deus. “Cristo é a verdadeira 'Palavra de Deus' que jamais passará e que permanecerá para além dos céus e da terra (BARTH, 2009, p. 140)”.
            Se a Bíblia é a revelação através de Jesus Cristo como um evento encarnacinal, ela é o testemunho da revelação que por si mesmo pertence à revelação. A Palavra de Deus é supra-cultural e a-histórica. Logicamente não está reduzida a uma mediação cultural. “Barth denunciou todas as tentativas da razão de emudecer a Palavra de Deus e procurou mostrar que é na Igreja que se dá a escuta da Palavra que é pronunciada pelo próprio Deus” (SANTANA, 2011, p. 68). Assim, não há nenhuma influência filosófica, na concepção de revelação barthiana.  
E em todas as suas obras procura evidenciar que o Cristianismo não tem nada haver com platonismo, estoicismo e neoplatonismo. No Esboço da Dogmática afirma que ao pronunciar o nome de Cristo “[...] não é o simples suporte verbal de uma realidade superior (o platonismo não intervém aqui!). Trata-se de [...] uma pessoa mesmo (BARTH, 2006, p. 92)”. Aí Barth está querendo se defender das idéias neokantianas (Cohen e Natorp). Conforme afirma Emmanuel Kant “não existe a possibilidade de acessar em nível de conhecimento [epistemologia] o mundo metafísico” (cf. Critica da Razão Pura). Por isso, para ele a Palavra está excluída do âmbito da racionalidade. Em contra partida, ele está querendo resolver um problema seriíssimo. Um mundo sem fundamentação metafísica da verdade. Coisa que os liberais haviam aceitado numa boa. Ainda mais depois que Friedrich Wilhelm Nietzsche, afirmará que o “Cristianismo é platonismo para o povo” (cf. O Anticristo).
Barth está maquiando toda uma escola filosófico-teológica construída nos 1900 anos de História da Igreja. Para nos convencer que a teologia dele é livre de qualquer tipo de influência filosófica. Bem, os pais apostólicos cindirão a teologia judaica com o platonismo. Venho Agostinho e reafirmou todo o status da Teologia Cristã a luz do neoplatonismo. Os reformadores (Martinho Lutero e John Calvino) bebem da fonte agostiniana, até se saciarem. Barth é oriundo de educação reformada. E vem dizer que o Cristianismo, não tem nada a ver com platonismo. Só, desta maneira, para justificar que a Palavra de Deus, mais precisamente “dogma” é uma revelação que advêm do além. Porque para os liberais a Bíblia era uma produção cultural, aberta a investigação histórico-crítica. Coisa que Barth rejeitava veementemente.
Nesta situação, vale à pena salientar, que o que se conhece como Bíblia, é um livro culturalmente condicionado, mas para Barth não era assim. Para ele o princípio orientador da Bíblia não foi à hermenêutica-exegético-crítica; mas, sim o credo, a confissão, a doutrina, o dogma etc. Isso significa que a Bíblia, não é um documento antigo que precisa ser interpretado, mas um punhado de doutrinas e dogmas, na qual Deus é revelado. O que prevalece é caráter sistemático da Fé Cristã, que foi enrijecido pela metafísica. Barth ignorou todos os avanços da crítica-histórica. E formulou sua teologia como se o século XIX, nunca tivesse acontecido. Jogou fora todo o legado do século XIX. E escolheu se encontrar novamente no mundo do século XVI, de volta a velha ortodoxia luterana e calvinista.
 Barth afirmava que “não são os pensamentos humanos corretos sobre Deus, mas os pensamentos divinos corretos sobre os homens que formam o conteúdo da Bíblia (BARTH, 1928 apud OLSON, 2001, p. 593)”. Esta afirmativa o fez retornar a um fideísmo irracional. Semelhante ao discurso conservador que desaprova a racionalidade humana. Porque uma cosmovisão humanista irá dizer que “tudo que o homem pensa, está em um processo contínuo de verdades provisórias”. Inclusive a Bíblia quando lida cientificamente, o que se tem são hipóteses de interpretação. Barth não acredita em tal pensamento, pois ele afirma que a verdade “é a nossa origem [...] porquanto “Cristo em nós”, como julgamento e justificação, é a VERDADE, é o Espírito que habita em nós [...] (BARTH, 2009, p. 452)”.
Barth tem toda razão, mas só que essa verdade é metafísica. Não esta aberta a um objeto fenomênico, enquanto sujeito do juízo. Nestas condições, o sujeito do conhecimento só pode conhecer aquilo que se configura no ‘tempo e no espaço’ – fenômeno. Em detrimento, do conhecimento que não é apresentado à sensibilidade, de modo que o pensamento puro não produz conhecimentoπιστήμη, isto é, verdadeiro conhecimento – númeno. Neste caso, o que tem que ser revisto não é a Bíblia, é o Deus metafísico de Barth. Portanto, ele preferiu continuar tratando, o que considerava Palavra de Deus, como instrumentalização de palavras estético-normativas, cuja finalidade é sempre de manter um discurso unívoco que procura abarcar as idéias sobre-humanas e aplicá-las ao mundo do fenômeno.
   Nietzsche havia declarado a “morte de Deus” (cf. Zaratustra). Não a do Deus da fé, mas a do Deus metafísico. O Deus que nasceu do coito entre o judaísmo e a filosofia platônica. Barth, então, vai querer salvar o que ele considera importante para o Cristianismo (nascimento virginal, ressurreição, Deus encarnado etc.). No caso, as formulações dogmáticas rejeitadas pelos liberais, na qual Deus se apresenta a humanidade. Através da Palavra de Deus (num sentido sistemático), mais precisamente a revelação. Platão (cf. A Republica), aqui é elevado ao mais alto e sublime lugar, pois existe uma força além do mundo físico, que deve reger todas as coisas. Inclusive o pensamento dos homens sobre o mundo.
     Na Reforma Protestante Lutero (cf. 95 Teses e Nascido Escravo) se rebelou contra um sistema eclesiástico totalmente platônico, no qual o vigário de Cristo era o veículo de revelação da igreja. Aí Lutero usou Aristóteles (cf. Metafísica I e II), para legitimar seu discurso afirmando que “todo ser humano é livre para escolher sua felicidade”. Num sistema democrático platônico, não era assim. Na polis existiam duas classes de pessoas os bem nascidos e os que se ocupavam com os negócios. Os bem nascidos eram os que mandavam na sociedade e deviam ser respeitados, porque, possuíam a orientação dos deuses. Já o restante da população não iria acender nunca, pois não faziam parte da estirpe, eram simples comerciantes.
Lutero foi lá e usou Aristóteles para romper com a igreja. Afirmando o sacerdócio universal de todos os crentes. De modo que o instrumento autenticador de seu discurso era as Escrituras. Porque ele não tinha o papado, por trás, de suas escolhas. Assim, somente a Bíblia para ajudá-lo e, ao mesmo tempo, tomar o lugar do Papa. Entretanto, logo, que conseguiu se separar da igreja Católica voltou novamente para Platão. E a ideia de livre interpretação das Escrituras se desvaneceu como poeira. E o que continuou controlando a igreja da Reforma foram os dogmas. Sendo que, se algum grupo marginalizado, desconsiderasse pontos fundamentais da Fé Cristã, era perseguido.
Barth fez mais ou menos isso, dizendo que a igreja é a tutora da revelação divina, que transcende a expectativas deste mundo. Os católicos têm colégio apostólico para dizer o que deve ser crido. E se for dito algo diferente, o teólogo corre o risco de ser excomungado. Já em Barth é Espírito da verdade que controla tudo e, nós, somente se aceitamos o jogo. E se alguma coisa no pensamento dos homens, não está em consonância com o credo, a confissão, a doutrina, o dogma etc., não são ambas as formulações que estão erradas. Mas, sim, os pensamentos humanos que estão incorretos. O núcleo do Cristianismo barthiano é proposional e revelado, portanto, não é necessário interpretação, somente racionalização das formulações dogmáticas.
Karl Barth fez aquilo que acreditava ser a melhor forma para salvaguardar os princípios de fé definidos pela igreja. Mesmo que para isso tivesse que negar a história humana (enquanto fenômeno humano), como palco da relação entre Deus e o homem. Afinal de contas, não pode existir juízo de valores, nem no que se refere à metafísica ou a interpretação racional. Tanto a verdade metafísica quanto a verdade da razão, são duas concepções distintas. O mundo metafísico faz parte da noosfera (mundo do pensamento), característico da dimensão lúdica do ser humano (imaginação). Já a razão, faz parte de algo, que é próprio da natureza dos seres vivos, que se constituem, de modo aberto ou fechado, a todas as condições do mundo. Faz parte do Reino Animal (Zóon logikón, animal racional) e dos demais Reinos. Portanto, não existem certo ou errado, somente dimensões distintas (não separadas) de um mesmo ecossistema-sistemicamente-organizado.

Fernando de Oliveira
15 nov. 2011às 13h09 mim.
Pindamonhangaba-SP
fernan_resgate@hotmail.com


BIBLIOGRAFIA.

BARTH, Karl. Carta aos Romanos. 5. ed. São Paulo: Fonte Editorial, 2009. 854 p.
______. Esboço de uma Dogmática. São Paulo: Fonte Editorial, 2006. 224 p.
______. Introdução a Teologia Evangélica. 5. ed. ver. São Leopoldo: Sinodal, 1996. 128 p.
FERREIRA, Franklin. Karl Barth: Uma Introdução à Sua Carreira e aos Principais Temas de Sua Teologia. Disponível em: <http://www.monergismo.com/textos/biografias/barth_franklin.pdf>. Acesso em: 11 de Ago. 2011.
OLSON, Roger. História da Teologia Cristã: 2000 anos de tradição e reformas. São Paulo: Editora Vida, 2001. 668 p.
SANTANA FILHO, Manuel Bernardino de. Por uma antropologia teológica ecumênica: uma leitura a partir da eclesiologia cristológica de Karl Barth. In: ROCHA, Alessandro Rodrigues. [organizador]. Ecumenismo para o século XXI: subsídios teológicos para a vocação ecumênica de todo cristão. São Paulo: Fonte Editorial, 2011. pp. 67-86.